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O caminho para a paz está além do literal

  • Foto do escritor: Filipa
    Filipa
  • 13 de mar.
  • 3 min de leitura



Por Luís Chambel Martins



Aquilo que dizemos e fazemos deriva, em larga medida, de aspetos (até para nós  frequentemente) ocultos, que se tendem a manifestar sob disfarce. A compreensão do  comportamento humano exige, pois, uma auscultação cuidada das forças inconscientes que  o moldam, sendo a ausência da oportunidade de o fazer aquilo que reside no centro da  discórdia. 


Quando uma esposa implora ao marido “estou realmente preocupada com o comportamento do  nosso filho e preciso da tua ajuda”, o que imagina o/a leitor/a que estará em causa? No imediato,  pode até parecer óbvio, mas a verdade é que muito de diferente poderá estar a acontecer nos  bastidores da mente desta esposa e que muito distintas poderão, também, ser as leituras feitas  por maridos hipotéticos diversos.  


A leitura que um marido faz daquilo que a esposa lhe verbaliza depende de todo um amplo  conjunto de fatores, entre os quais a forma como se sente na relação com a mesma,  expectativas quanto a esta que sejam derivadas a partir de relacionamentos amorosos anteriores  que tenha tido e, é claro (amiúde de forma determinante), a sua própria experiência passada  enquanto filho. Por seu turno, será a leitura alcançada por cada marido que determinará a  reação que irá ter face às verbalizações da sua esposa. 


Imagine-se que a leitura de um marido seria no sentido de estar em causa um ataque pessoal.  Algo que o levaria a pensar “mas tu achas que eu não estou também atento ao nosso filho? Que  falta de consideração pelo meu papel enquanto marido e pai”, suscitando em si uma forte zanga. 


Ao refletirmos sobre o que poderá estar por detrás da ação do outro, damos um passo crucial  para desvendar uma complexa rede de significados que vai muito além da superfície do  observável; daquilo que é literal. Quando procuramos compreender o comportamento alheio,  não só estamos a exercitar empatia e a abrir espaço para uma interpretação mais rica e precisa  do outro, mas também a encontrar um espelho para os nossos próprios processos internos.  Encarar as palavras da esposa como um enigma a decifrar com curiosidade será algo que  trará a este marido a possibilidade de estabelecer uma relação mais autêntica, tanto com ela  quanto consigo próprio, envolta em torno de uma humanidade comum.


Ora, refletindo acerca do que poderia encontrar-se subjacente ao dito pela esposa, será possível  que o marido entenda, por exemplo, que o que ela lhe está a tentar transmitir é, sobretudo, a  insegurança que tem sentido enquanto recente mãe, acoplada a uma necessidade de que outra  pessoa em quem confia possa assegurá-la de que não está a “fazer tudo errado”. Uma  insegurança que, entre outros fatores, poderá ter raízes no quanto, no seu passado mais remoto  enquanto filha, esta esposa escutava, vezes sem conta, por parte da sua mãe, “nunca fazes nada  bem”, acabando tal mãe por corrigir os inúmeros e sistemáticos lapsos que considerava que a  filha cometia.  


Através desta reflexão, o marido poderá lograr constatar três coisas fundamentais: que aquilo  que a esposa lhe disse tivera mais a ver com ela própria (e menos com o marido) do que ele  pensara inicialmente; que a sua própria reação tivera mais a ver com ele próprio (e menos com  a esposa) do que ele imaginara inicialmente (bastando-lhe recordar, por exemplo, que, no seu  passado mais remoto enquanto filho, teve um pai autoritário e impositivo, que não permitia que  seja quem fosse questionasse qualquer dos seus ditames enquanto “chefe de família”); que  tanto a esposa quanto ele estão, no presente, a ser guiados por conflitos internos não resolvidos  provenientes dos respetivos passados. Em suma: o que à superfície parecia um ataque pessoal  era, afinal, um verdadeiro (e até desesperado) pedido de ajuda. A zanga evocada pode então,  quiçá, transformar-se em compaixão. 


Abraçar a ideia de que por detrás de cada comportamento existe um universo repleto de  significados é um convite à construção de pontes (relacionais e internas) de entendimento,  fundamentais para a paz no casamento como na sociedade em geral.




 
 
 

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