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Poderei eu ser o meu pior inimigo?





Por Luís Chambel Martins




Na sequência de um rol de tentativas românticas sentidas como fracassadas, encontra-se, pela  primeira vez, numa relação estável e pautada pela reciprocidade, na qual sente que deveria estar  satisfeito/a. Contudo, perante o mais ínfimo pormenor que o/a incomoda no dia a dia da  vivência com a pessoa (por exemplo, a forma como a mesma coloca a roupa no estendal ou  dispõe os guardanapos na mesa), explode com raiva e profere todo um conjunto de acusações,  como se, de algum modo, procurasse promover a chegada do dia em que o amor deixará de ser  suficiente e a mesma, finalmente, não terá outra opção senão deixá-lo/a. 


Tem, diante de si, uma importante prova há muito agendada, que sabe que o/a pode impulsionar em direção a patamares mais elevados; que é suscetível de o/a permitir alcançar o sucesso que  tanto deseja, depois de anos de esforço para chegar até aqui. No entanto, basta pensar em sentar se à secretária para estudar que surge, em si, uma intensa aversão ao processo. Se chega,  eventualmente, a conseguir sentar-se, distrai-se com a mosca que entra pela janela aberta e  dança pela divisão. Ou, talvez, com a mais irrelevante notificação que chega ao seu smartphone, perdendo-se, subsequentemente, nas redes sociais até se aperceber de que o tempo  que tinha disponível para o estudo findou. 


Se pode parecer que o ser humano busca, quase que por natureza, a felicidade (especialmente  em dois domínios da sua vida: o amoroso e o académico/laboral), pode ser confuso, estranho e  desconcertante perceber que, por vezes, de forma mais ou menos consciente, se comporta como  se estivesse a tentar prejudicar as suas hipóteses de obter aquilo que (pelo menos à superfície)  está convencido que quer ter. Todavia, quando sistemático, este tipo de comportamento  dificilmente pode continuar a ser descartado como simples fruto de “azar” ou “coincidência”. Podemos, então, falar em autossabotagem. 


Mas o que é que poderá explicar tais comportamentos aparentemente paradoxais? Porque é que  haveremos de criar estas prisões de infelicidade para nós próprios? Numa frase, diria: porque  a autossabotagem é, em simultâneo, prejudicial e protetora.  


Embora a felicidade possa ser o que, fundamentalmente, todos queremos alcançar, ela não  corresponde, para muitos de nós, ao que é mais familiar. Crescemos em cenários bem menos  luminosos e aprendemos a encontrar formas (mais ou menos adaptativas) de lidar com os seus  desafios.


A perspetiva de algo diametralmente oposto pode, então, ser contraintuitiva e  assustadora, pois não equivale ao que passámos a esperar. Podemos preferir permanecer em  lugares que, apesar de frios, nos são confortavelmente conhecidos, porque termos aquilo que  queremos pode ser sentido como intoleravelmente arriscado (sendo quase como se nos  colocasse “à mercê do destino”, com toda a ansiedade que a incerteza acerca do que ele trará provoca). Assim, a autossabotagem, ainda que possa trazer frustração, ao mesmo tempo oferece  uma certa medida de perceção de controlo e de segurança.


Ao pô-la em prática, não estamos,  na verdade, a ser os nossos piores inimigos, mas sim a continuar a envergar armaduras que, se  num passado em que os recursos de que dispúnhamos eram bem mais limitados efetivamente nos protegiam, agora pesam mais do que protegem.


Para superarmos a autossabotagem, é,  então, crucial que compreendamos a criança que fomos (e o ambiente em que a fomos), bem  como que já não a somos (ou, talvez mais precisamente, que, apesar de a mantermos dentro de  nós, temos, hoje, um outro leque de meios que podemos utilizar para gerir os ataques dos outros  sem necessidade de continuarmos a comprometer a nossa obtenção daquilo que, já antes,  provavelmente deveria ter sido nosso por direito).



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